"A alma de Deus, pode bem aparecer dentro dos olhos de um gato".

(Provérbio Celta)

segunda-feira, maio 22, 2006

NO REINO DE SUA MAGESTADE

(By Isabel Reinhards)

(Esta é a História verídica de uma gatinha Inglesa abandonada que percebe português... )

"Numa ilha longínqua, cercada de brumas, fica o reino de Sua Majestade. Um reino pacífico, livre e tolerante, onde as pessoas e os bichos vivem felizes.
Um dia, uma gata amarela, modelo de profissão, saiu do estúdio no intervalo de uma sessão fotográfica. Estava numa área da cidade que não conhecia. Percorreu ruas e quintais, fascinada com a variedade de pássaros e abundância de esquilos, até que se perdeu. Errou muitos dias por ruas estranhas e uma noite chegou a Kemplay Road. Era tarde, a rua estava deserta. Sentou-se a uma porta, atenta, esperando que a noite lhe trouxesse um escaravelho distraido ou uma libelinha, que lhe servisse de jantar.

A noite foi generosa, trouxe-lhe protecção e afecto e um pires de leite. No dia seguinte começou uma nova vida. Com coleira, guiso e nova identidade; era agora a Gengibre.

Seguiram-se dias calmos com grandes sestas no sofá favorito do momento, noites à lareira e depois numa cama macia, ronronando sob carícias e murmúrios carinhosos.

Dois anos mais tarde apeteceu-lhe aventura, emoção, ir um pouco mais longe, treinar saltos mais arriscados. Perdeu o pé, caiu de muito alto num pátio de cimento. Ouviu um grito, sentiu uns braços a segurá-la, uma voz a implorar-lhe que vivesse.
Depois uma sala branca, mãos experientes e uma noite muito longa, pontuada por miaus queixosos, fracos cainços, um mundo diferente, antagonismos ancestrais anulados pelo sofrimento.
E, muito tempo depois, de novo aqueles braços, aquela voz, de novo o seu sofá, o seu colchão macio, os ronrons, as palavras ternas.
Semanas mais tarde, quando os ratitos de peluche e as bolas voltaram a apetecer, foi tempo de festejar dois anos em Kemplay Road e o regresso à vida.

Com a coleira de brilhantes das grandes ocasiões recebeu os amigos, que chegaram com flores e cartões. Passou tempo com cada um deles, ronronando sob as carícias e o som das vozes.
Foie gras no seu prato e na mesa scones, bolo de chocolate, sorvete de baunilha, um bule de chá.

A Katherine, o Peter, a Miranda, o Jim. E ela. Os seus amigos, vindos de tantas partes do globo para Kemplay Road. Da Bélgica, da América, Holanda, Yorkshire. E Portugal.

A Gengibre, como Sua Majestade, é inglesa. Não revela o lugar exacto do seu nascimento. Do seu passado sabemos só que foi modelo fotográfico.

Fala apenas do presente, dos esquilos que vê pela janela, das pombas, dos pintarroxos, em pequenas frases musicais.

E depois ronrona, com a pata no braço dela, símbolo de aliança e felicidade.

É assim a vida no reino de Sua Majestade.


Londres, 10 de Setembro do ano 2000"
(Escrito por Isabel Reinhards)

1 comentário:

Raquel disse...

Adorei a história da Gengibre! Uma bela narrativa cheia de condimentos açucarados a prenderem a atenção. Acaba por saber a pouco...